domingo, 16 de abril de 2023

Balcões da vida.

Quem não comeu ou bebeu em balcões, hem?

Não existe lugar melhor e mais democrático. Além disso é um espaço que todos estão no mesmo nível. Principalmente quando analisarmos que proximidade de quem faz é que pede, não ter a intermediação dos garçons. Tudo sem ruído. É tudo tete a tete. Olho no olho. Tenho muitas e boas lembranças. Algumas inesquecíveis. 


Nos anos 70, alguns restaurantes na região do Arouche e Praça da República viviam cheios. Era a alegria dos estudantes como eu. Tinha a Salada Paulista, ao lado do cine Ipiranga. Tinha o Dom na rua Aurora. E o Gato que Ri, na sua primeira versão. Todos comiam no balcão. Tinha outro numa ruela que unia a avenida Ipiranga com o largo do Paissandú, o balcão desse restaurante era giratório. 

Até hoje o Bar e Lanchonete do Estadão no centro, serve no balcão e muitos comem aquele sanduíche famoso de pernil de pé.


Lembro em San Francisco, no Old Spaghetti Factory, estava com um amigo que não falava nada de inglês. Foi sensacional. Era uma guria que estava do outro lado do balcão, que preparava os coquetéis de acordo com os pedidos que recebia. E a gente perguntava sobre todos. O que bebemos naquela oportunidade foi digno de um dia de  loucura etílica. Judiamos do nosso fígado e bolso.


Em outra ocasião, num restaurante japonês na região da avenida Leopoldina, perto do Ceagesp também guardo boas recordações, nunca aprendi tanto. A maioria dos nomes de pratos da culinária japonesa. Fora a frescor e sabor daqueles pratos exóticos, foi além de gastronômico um momento didático de aprendizado. No balcão do sushi-bar juntou momentos de prazer de sabores e conhecimento. Fantástico.


Mas o que quero chegar é justamente neste local, em balcões de botecos. Onde vi outro lado da reação das pessoas. É outro universo. Talvez uma espécie de divã de psicanálise, onde todos que vão ao bar, querem afogar as suas maiores mágoas que a vida lhes proporciona.


Neste local quem fica nos servindo é a testemunha das mazelas desta nossa jornada. Pode ser um balconista velho ou jovem. Homem ou mulher, pode até ser o dono, gerente ou um aprendiz. O que eles ouvem é digno de uma aula cuja experiência nenhuma faculdade de Psicologia tem no seu currículo.


Tenho hábito de ir sozinho em algumas oportunidades em botecos por S. Paulo toda. Na zona leste, na Moóca, próximo do Cambuci, frequentemente vou ao Juriti. Na zona oeste, onde moro, costumo frequentar o Valadares. Mas temos outros noutras regiões, como no bar do Luiz Fernandes e o bar do Justo. Ambos tem muita história na região norte. 

No centro, próximo da Luz, um dos mais badalados, bar Léo, sem a contração “do”.

Em todos vivi as melhores histórias do drama humano. Muitas alegres, dignas de muitas gargalhadas, porém em sua maioria, tristes histórias.


Recentemente no Valadares, passei e resolvi entrar, pedi para tomar uma batida de amendoim. Acabei ficando de pé na frente do balcão. O atendente era o veterano Sr. Luiz. Aliás, boteco que se preza, sempre um Luiz ou Luís. O Bar Léo teve um. O mais famoso dos Luiz. Voltando ao balcão frontal. Pego a batida servida gentilmente com alguns torresminhos. 


Um cidadão que já estava por lá, sentado num banquinho. Sem cerimônia nenhuma se dirige a minha pessoa como se fosse um antigo conhecido e solta a conversa seu passado. E olhem bem, 75 anos tem muita história pra contar. Lá vem minha lembrança as aulas de Freud, Jung, Piaget, Fromm e outros que estudei. E acima de tudo, o que aprendi na Doutrina de Allan Kardec, Que devo respeitar todo ser humano. Portanto fiquei ali ouvindo. Poucas vezes intervindo. 



Não é a primeira vez. Em outras, lá mesmo no Valadares próximo ao balcão tive alguns encontros similares. O curioso, em que todas as ocasiões a conversa é sobre a vida pregressa destas pessoas. A solidão, a depressão e outras situações do comportamento humano são o mote da conversa. Por isso digo que o balcão é o divã das mazelas da vida. Viva todos os balcões da vida. Se você encontrar alguém, preste ajuda. Ouça. Um dia, você poderá estar no lugar dele. Vai que… 

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