segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Não basta ser criativo, precisa ter talento.

Talento X Criatividade.

Esse tema dá o que falar. Antes de mais nada, lembrarei que esse assunto é deveras palpitante, mas abordarei esse tema no tocante a área em que atuo há quase 50 anos.
Talento e criatividade especificamente em publicidade e propaganda, e pinceladas em marketing. 
Me formei nos anos 70. Quem ditava as regras nos EUA eram os gurus Ogilvy, Hopkins, Bernbach, Burnett, Al Ries, Jack Trout e uma dezena de 'pais da matéria'. 
Aqui no Brasil, Duailib, o D da DPZ, Perissinoto, Mainard (Enio, pai do Diogo), Neil, Júlio Ribeiro, Salles, Alonso, Biondi, precediam os novatos que chegavam babando nos 80, Olivetto, Helga, Serpa, Guanaes, Duda e outros monstros.
Fui aluno na ESPM de mestres como Luis Paulo Piratininga, José Roberto W. Penteado, tive colegas como Luís Grottera, por exemplo. Vivi o tempo dos talentos na publicidade. 
Cases eram divulgados e quebravam os queixos da molecada. O Boko Moko do Guaraná Antarctica, a calça que não perdia o vinco, o creme dental que dava frescor. Ah! 
Da VW Variant que tinha o motor atrás, pasmem os senhores! Onde estava o motor?, perguntava o 'jovem' Rogério Cardoso, falecido, mas hoje ainda famoso por ter sido o enrolado Rolando Lero, da Escolinha do professor Raimundo.
Pois bem, passei depois pro outro lado, virei professor. Além de lecionar, tinha uma obrigação, descobrir talentos. Tive algumas agências com sócios, já disse isso em outros posts. Levei alguns talentos que desabrocharam, começaram como estagiários. Hoje nem sei por onde andam? Mas o que provocou escrever esse post, foi o tema que me provoca questionamento. 

Você contrata talento ou criatividade?

Hoje se fala modernamente em se contratar caráter e treinar habilidades. 
Mas criatividade é impetuosidade, é intuição pura, com necessidade de lapidarmos esse diamante bruto e o talento é o meio caminho andado, é virtude do bom trabalho. 
Destaque-se que uma coisa não vive sem a outra, mas onde que começa uma e depois segue-se a outra, ou pára a outra e começa uma de novo? 
Realmente é esquisito, entendo que o que vale é o talento. Esse é fruto inerente, é o adiantado de vidas passadas já desenvolvidas e com o aprimoramento ao longo do tempo. 
A criatividade é algo livre, intuitivo, aflora na tenra idade e precisa de direcionamento, que via de regra, precisa de muito treinamento (disciplina) e foco (planejamento). 
Como curiosidade abro um paralelo, lembro-me de um ponto turístico e geográfico que conheci nos anos 90 na Alemanha, que ilustra essas duas coisas que chamo de juntos e misturados. 
Foi na cidade de Koblens. Era um corner (Eck), uma esquina, onde os rios Mosel e Reno se cruzavam. 
Os principais rios da Alemanha, locais onde se cultivam as melhores uvas, que geram os melhores vinhos. Lá, se juntam e diferentemente do encontro no Brasil dos rios Solimões e Negro, lembrando que um é o vinho tinto e o outro branco. Não combinam.
A criatividade aparece para ganhar prêmios, mas no fundo só é premiado, se a coisa boa for criada por alguém com bastante talento.  
Simone, Ciro, o criativo e eu, Jorge Salim.

De repente num certo departamento de marketing.

Nos anos 2000, dirigia um departamento de marketing digital numa empresa de turismo. Era o tal conceito novo. No começo, osso duro, era sozinho, implementava o conceito num segmento que não acreditava na necessidade de departamento que englobaria o complexo processo de comunicação.
Mais tarde, por razões alheias ao entendimento dos proprietários daquele estabelecimento, mas por força do respeito que a concorrência nos atribuía, aumentamos o número de colaboradores. 50% à mais (risos), uma pessoa à mais. De um, pulamos para dois (mais risos). Era uma guria. Simone. Talentosíssima. Culta, preparada antes de mais nada. Provocamos mais a concorrência.
Lembro-me nesta época que um dos sócios, ao receber um outro empresário do mesmo setor, concorrente por sinal, que falava sobre o nosso trabalho e perguntava em quantos éramos, ele, o nosso patrão, prontamente respondeu, cerca de 12 pessoas.
Cobrei dele quando soube dessa conversa. Afinal se éramos 12, recebíamos por apenas dois. Ele saiu pela tangente, dizendo que havia juntado com os integrantes do TI.
Na sequência mostramos mais resultados e por consequência contratamos mais um profissional. Essa, na verdade é a real e única razão de que escrevo este post. Não colocarei o nome verdadeiro dele, chamarei de Ciro, afinal era sua real alcunha.
Mas vocês perguntariam o porquê desse inusitado post? Simples! É o nosso tema, ou diria mais, nosso dilema. Criatividade ou talento?

Um cara fora da caixinha.

Não havia sido eu o entrevistador para a contratação. Foi Simone. De repente ela chega e diz, 'habemus um artista'. Era o indescritível Ciro.
Não sabia nada de turismo, muito menos de geografia, condição 'sine qua non' para o exercício do trabalho. Fiquei pasmo quando ele não sabia o que significava, Montevidéu.
Departamento de MKT. Gatos pingados que valiam mais de 15.
Porém entendia TUDO de computação, da linguagem digital, de artes, música, tudo. 
Bons tempos. Eu era o fora da curva, já veterano, muitas vezes chamado de 'mestre' convivia com a erudita, Simone e o 'criativo', Ciro.
Notem bem. Frisei a palavra 'criativo'. Diferentemente de talentoso. Mas passado um bom tempo, após mudanças de andares. Fomos os mais 'expulsos' da empresa. Creio, entre 12 a 15 vezes.
Ele, Ciro, acabou sendo transformado, primeiro pela convivência conosco e concomitante, pelo seu temperamento de querer saber mais. Buscas e mais buscas. Se transformou.
Às vezes, se transformava contra a sua vontade. Pedíamos que se vestisse como boneco, o mascote do programa de incentivo da empresa, Eurico. Sei que não dizia nada, mas seus olhos, repetiam o seu ódio. Peço perdão, Cirinho. Mas ele cresceu e pediu para sair. Adquiriu asas e voou. Pela primeira vez, senti orgulho e não decepção por perder um funcionário. Era um talento aprisionado numa empresa que não permitia voos solo e nem de liberdade criativa.

O dia em que ele quebrou os paradigmas.

Finalizando, narrarei uma passagem que ele, Ciro, deixou a sua marca em nossas mentes e na história da empresa. Isso é a prova irrefutável de sua criatividade.
Era comum naquela época uma rotina da empresa, um tal inventário dos ativos imobiliários e check-list de softwares, não se permitia programas piratas naquela altura.
Ciro (de escuro), um sujeito que não podemos levar a sério.
Ciro, como uma criatura fora da caixinha, havia invertido a posição do monitor, já com tela de 20 polegadas e de Led, passando de horizontal para vertical. Qualquer pessoa que entrava na sala, era imediatamente chamado a atenção. Numa empresa com mais de 300 monitores, um único era de pé. Mas Ciro não se conteve em ser diferente. Trocou algumas teclas da ordem QWERTY para um modelo Ciro 1.2 ou coisa parecida, ele nunca quis patentear. Bastou isso, num dia em que o funcionário do TI que foi fazer o inventário, acabou travando sua cabeça.
Rimos muito. Simone, eu, Ciro e outros que já eram fãs de carteirinha do guri da pá virada. Marcell, Rafael, Júlio, David e outros. Deixou-nos a sua assinatura.
Ah, só gostei mais de um outro tipo travessura que o Ciro nos brindou. Nos dias em que ele ia trabalhar de gravata borboleta e suspensórios. Mas isso, será com certeza uma outra história. 
Que assim seja, graças a Deus.