sábado, 23 de outubro de 2021

Quando me encontrei comigo mesmo.

É possível fazer um auto-retrato escrito? Parece que sim.

Outro dia desses estava eu andando pela cidade e cruzei com uma pessoa incrível. Tanto tempo se passou e justamente agora acabei tendo essa oportunidade.

Parei e aí ficamos conversando. 


Pelo que observei na roupa dele, já fiquei animado. Havia muitos pêlos de gatos sobre o seu agasalho azul escuro. Não era aquele de três tiras, mas um genérico de duas. Ele me disse que o protege do mesmo jeito do outro. Gostei da opinião dele. Penso igual. E perguntei dos bichanos. Ele me respondeu que já teve muitos e hoje estava com apenas dois. Igual a mim.


Aí seguimos andando lado a lado pelas ruas do centro de S. Paulo. Precisamente nas imediações da V. Buarque. Bairro nostálgico. Boates, inferninhos, restaurantes, prédios de escritórios, boemia, nostálgico, enfim cheios de recordações. Ficamos trocando ideias enquanto caminhávamos. A cada passo, uma olhada dos lados e vinha uma lembrança ou um fato curioso que de alguma forma nos marcou.


Ao passar pela avenida S. Luís tradicional via que marcou ambos. De repente um olhar cruzou com o outro e quase que instantaneamente falamos juntos, Circollo Italiano. Icônico restaurante italiano, local onde almoçamos dezenas de vezes. Mais adiante cruzamos com a galeria Metrópole. Quantas lembranças. Anos 70 no cinema que hoje não existe mais. Os diversos bares e restaurantes. E o melhor. Dos nossos encontros nos happy hour das sexta-feiras. Quantas memórias nos lembramos. Boas risadas.


Lembro em 1984 quando comecei uma outra passagem por lá. Na praça D. José Gaspar. Apesar de ter uma formação publicitária e lecionar Comunicação em duas universidades, acabei parando no Turismo naquele ano. Lembramos da empresa Holiday Tours. Ele também trabalhou por lá. Quantos amigos foram lembrados. O nosso ex-chefe foi motivo de muitas gargalhadas. Mas no final, apesar de muitas lambanças, ficou um legado enorme que nos serviu para a vida.


Já que lembramos da nossa passagem no turismo, começamos a viajar no tempo. Sentamos numa mesinha do café. Entre um café e outro, iniciamos as anotações daquilo que poderia ser um roteiro de um filme de longa metragem perfeitamente possível de ser exibido no antigo Cine Metrópole. 

Comentei que em 1985 me casei pela segunda vez. E olhe que coincidência, ele também casou-se pela segunda vez naquele ano. Viajei em lua-de-mel com uma cortesia presenteada por amigos daquela agência de turismo. Parte aérea e terrestre totalmente free. Mais tarde, tive duas filhas naquele casamento, uma, a primeira em 1988, quando ainda estava na firma de turismo.


Depois falei sobre a minha primeira saída do ramo de turismo e ingressei na área de distribuição e venda de alimentos no setor de abastecimento. Foram quase 10 anos numa redação de um veículo impresso. Um revista que nunca deixou de ter menos de 100 páginas, entre reportagens e anúncios. E pasme. Ele também atuou nesse setor. Muita coincidência. Além da confecção da revista, fizemos muitos eventos como feiras e seminários por todo o país. Quantas lembranças. O que mais nos tocou foi quando lembrarmos dos amigos que se foram. Alguns, cuja morte, ainda não nos conformamos. Parece mentira.


Viramos o assunto que se tornou muito denso. Falei sobre o meu retorno triunfal no turismo a partir de 2000. Após o fiasco do bug do milênio, sobrevivemos ao 11/09 tragédia das torres gêmeas. Anos seguintes muito difíceis para o setor do turismo.

Acabei com aquele casamento anterior em 2003. 

E veja que engraçado, ele também se separou. Mas o que de bom aconteceu foram as viagens a trabalho pelo país, já que a empresa cresceu para todos os mercados nacionais e ainda se atreveu a ter uma base em New York. 

Depois falei sobre as aventuras em viagens internacionais. Quase todos os países latinos. A América então, nem se fala. Tantas vezes para as duas costas. De leste a oeste. 


Comentei que até hoje tenho pares de tênis, perfumes, roupas sem quase uso. Tamanha foi a loucura de consumismo. E falei que se fosse hoje não faria nada disso. Me transformei. Fiz uma reforma íntima deixando o apego por bens materiais. Hoje sou um ser mais espiritual, onde sigo a Doutrina Espírita de Allan Kardec. Então vi um sorriso bem tímido no rosto dele. Questionado, ele confirma que também é espírita. Fiquei super contente. Há uma luz no fim do túnel. Podemos nos transformar. E crer em Deus, Jesus e Maria nos ajuda a compreender melhor os ditames da vida.

Até comentei que descobri esse caminho um pouco tarde. Mas ele disse: não podemos mudar o que fizemos no passado. Mas podemos modificar e construir o nosso futuro. Devemos entender as nossas escolhas de hoje em diante. Devemos acertar as contas daquelas escolhas imperfeitas no passado, porém também teremos a possibilidade de novas escolhas, deveras mais equilibradas.


Já passava das 17:00 mais de quatro xícaras de café expresso e a tarde começava a enviar os sinais. O cheiro do fim daquela tarde e as nuvens se escurecendo, apontava que era hora daquele papo nostálgico, infelizmente se encerrar. 

Disse que pegaria um ônibus mais adiante, na R. Xavier de Toledo. Do outro lado da rua. Era só atravessar a calçada da Biblioteca Mário de Andrade. Se deixasse para mais tarde, poderia haver filas e nesses tempos de pandemia, não era recomendável. 


Então fomos seguindo os meandros das calçadas da praça D. José Gaspar. Caminhávamos juntos. Cheguei no ponto de partida do ônibus 8.400, linha Pça Ramos ao bairro Pirituba, zona oeste, que passa pela Lapa, onde moro. Desço após 16 pontos, na Pça Giacomo Zanela, próximo do residencial Parque Central da Lapa, onde moro com minha doce esposa, Inês a quem chamo carinhosamente de Lili. Ah, deixe-me explicar. Trata-se do terceiro casamento.


Ainda andando na fila, pergunto a ele.

- Você também vai pegar esta linha?

Ele olha pra trás como se disfarçando e confirma. Simmmmm. Fala sério. Isso não é coincidência, eu sou você! E você sou eu, amigo íntimo de longas lembranças. 

E assim o dia segue para o final daquele expediente. Não é o final da gente. Pois, enquanto nós nos lembramos desta vida, nos preparamos para a próximas. Repito, essas experiências nos prepara para sermos melhores na próxima vida que vier, depois que deixarmos este mundo físico. 


Esse auto-retrato é a fotografia de nossos atos. Prazeres e desgostos que carregamos durante esse percurso. Cabe a nós mesmos adotarmos a reforma íntima perene. Nos modificarmos todos os dias. Se corrige as imperfeições desta vida fazendo uma reflexão diária de nossos atos. Agradeça mais e peça menos. Ajude mais do que pedir para si. Estude sempre e ensine o que aprendestes. Transfira mais. Doe-se mais. Ame mais. Que assim seja. Graças a Deus.