sábado, 30 de julho de 2016

Três casamentos: os ônus e os bônus.

Herói ou vilão? 
Ao som de Felix Mendelssohn, a Marcha Nupcial (Wedding March), lá íamos para o primeiro compromisso em julho de 1978.
Após o cerimonial tradicional católico apostólico romano, até que a morte os separe.... O que Deus uniu, o homem não separa (Matheus).
Durante seis anos mantivemos a relação matrimonial. Casal jovem, aproveitava as alegrias da experiência conjugal. Primeiro fruto, um lindo guri. Quis o destino, que aquele primogênito viesse com a síndrome de Down.
O primogênito, Jorge Arthur.
Hoje, espírita que sou, entendo a nossa missão. Mas com 28 anos, professor e publicitário, ou seria publicitário e professor? Com a tenra idade não estava preparado para ter um filho deficiente. Hoje, Jorge Arthur com recentemente 36 anos de vida completados, nos ensina o sentido da nossa caminhada.
Parecia que fui colocado à prova. Trabalhando em meu escritório de publicidade e dividindo as atividades de professor nas manhãs e noites, além de finais de semana, sucumbi.
Permiti que outras pessoas invadissem minha privacidade familiar. Fraqueza emocional, frustração, provavelmente, sim. Ambiente universitário, cheio de tentações, alunas e pessoas joviais, sem compromisso. Resultado, separação.
"Guarda a lição do passado, mas não percas tempo lastimando aquilo que o tempo não pode restituir". André Luiz

Setembro de 1985.
As duas filhas, Micaela e Nadine em viagem recente.
Recomeço com outro relacionamento conjugal. Intenso, cheio de planos futuros. Desta vez vai ser pra valer? Será? Uma pessoa com 35 anos. Mais experiente. Já prevendo algumas consequências, caio fora do mundo universitário. Uma aura de péssimas influências. Afasto-me daquele lugar. Mudo o foco de trabalho, minha empresa agora é com a participação de sócios. Grande fase empreendedora. Produção, criação, inovação, lucros e mais lucros.
Casa própria, carrões, vida urbana na semana e rural nos finais, sítio em Jarinu, SP, com piscina, quadra esportiva, churrasqueira, horta, a vida que havia pedido a Deus. Amigos aos borbotões. 
Mais tarde, meados de 1989, sou contratado a peso de ouro para reformar uma equipe toda de redação de um veículo de grande circulação corporativa representando uma associação com relevância nacional. Feiras, seminários, viagens de capacitação profissional no exterior, fantástica equipe jornalística, fazíamos valer a grande competência da equipe. Mas, como o que é bom dura pouco, diz o velho ditado. Influências de políticas opostas, grupos assumem o controle daquela associação, egos e desejo de poder absoluto, minam aquele, que era um case de sucesso.
Equipe Abras. As duas Sonias, Vanda e Olegário.
Busco me recompor, retomo a veia empreendedora, encontro novos sócios, ah, essas sociedades... Dura pouco, os ganhos se acabam, vem as duras consequências. Mesmo em dificuldades, acompanhava a educação de minhas duas filhas, fruto do segundo casamento. Dívidas pesadas, moradia nos Jardins, condomínio de gente fina, escolas particulares, convênios médicos, financiamentos, acabo sucumbindo. Oficial de justiça bate na porta, é o fim. A crise abate a todos. Como diz o dito popular: Quando o dinheiro acaba, o amor sai pela janela. Será? 

Março de 2001.
Mais um recomeço? Desta vez, volto ao trabalho com o boné na mão. Acato o que foi miseravelmente oferecido. Área de marketing no segmento do turismo. Penso, terei que remar tudo de novo, mas vai valer a pena. Afinal, depende de mim. Começo a me reerguer novamente, mas aquele amor que tinha partido pela janela, ainda machucado, acaba se esfacelando definitivamente após meu acidente grave (já relatado em outro post). Se reinventar, quase falido e sem a estrutura familiar. Muito bem. Recupero parte financeira e parte física, mas a moral fica duramente atingida. 
"Quem se dedica a enxugar as lágrimas dos outros, não tem tempo para chorar" - Joanna de Ângelis.

Novembro de 2007.
No dia em que perdi meu irmão, Hatim Jr. mais velho do que eu. Ganhei um telefonema de um amor antigo de quase 30 anos. Aliás, o primeiro grande amor. Que por razões que não importa buscar explicações, seguiu outras estradas da vida.
"Nada acontece na vida por acaso, para tudo tem um motivo e uma solução" - atribuída a um autor desconhecido. Essa frase é muito utilizada no mundo da espiritualidade.
Retomamos a vida, reconstruímos mais uma vez aquele relacionamento uno e com intensa cumplicidade. Perdurando até hoje. Já somos oficialmente unidos. Provavelmente será a nossa derradeira caminhada para a eternidade."Mesmo que já tenha feito uma longa caminhada, sempre haverá mais um caminho a percorrer" - Santo Agostinho.

Como colecionar os bônus e os ônus?
A atual esposa, Inês (Nina).
Prefiro elencar os bônus. Filhos, amigos, parceiros de sempre, os de todas as horas. Lembro uma frase que gosto muito: "Perguntaram a um sábio porque perdemos os amigos".
Ele respondeu: "Se perdemos é porque não eram nossos amigos. 
Amigos são para sempre", finaliza. Naqueles momentos de profundo desespero, naquela hora que você perde o rumo. Os verdadeiros anjos apareceram e me ajudaram, serei eternamente grato. 
Não deu para manter a família completa? Pelo menos, mantenha os filhos sob a tua asa, não se descuide.

Outro dia destes soube da morte da vó de meu filho, Jorge Arthur, portanto a primeira ex-sogra. Chorei muito. Não é porque o casamento com a filha dela não deu certo, que os nossos caminhos não poderiam se cruzar.
Esse é o bônus que falo. Casamentos acabam, mas relacionamentos respeitosos, não. Talvez esse tal ônus, seja a nossa sensação de perda. Afinal todos nós iremos desencarnar. 
Enquanto isso, lembremos do nosso querido Chico Xavier. "Você não pode voltar atrás e fazer um novo começo, mas você pode começar agora e fazer um novo fim".

domingo, 24 de julho de 2016

Resgatar o passado é bom? Há controvérsias.

Desde que comecei a publicar as minhas memórias do período em que fui professor universitário, intitulando a série como, "Resgates de Atos do Passado', muitos amigos, amigos estes da época recente, não faziam ideia do período em que ministrei aulas.

Está sendo muito estimulante para mim. Não dimensionei que esses relatos fariam tamanho sucesso. O que imaginei ser uma espécie de desabafo ou registros de atitudes, que por sinal, hoje as reprovo, viriam a ser comentadas e de certo modo, virarem temas para discussões.
Pode o professor universitário, com formação mais elaborada se tornar um sujeito cruel? Perseguir aluno é um ato repugnante e como tal deve ser banido do nobre ato de ensinar. Pois é, naquele tempo não haviam Redes Sociais, o tal politicamente correto e outros. 
E se fosse hoje? Bem, com a experiência de vida de hoje, não cometeria nenhuma daquelas atitudes de represálias e/ou acossamentos. 

Mas voltemos ao passado. Não agi somente de forma autoritária. Notem que em meus relatos sempre tirei uma lição, mesmo cometendo atitudes não tão recomendáveis. Busquei o lado positivo, mesmo agindo de maneira rude.

A Sandra, que outrora foi penalizada com notas baixas a ponto de ter que sair do curso e faculdade, mudou seu entendimento de vida após estudar noutro país. Às vezes sair da zona de conforto, acaba transformando aquela pessoa, lhe proporcionando outras descobertas.

Exemplos de humildade e paciência ao próximo, transformam o interlocutor, no caso do ex-aluno Severo, que ficava bebendo no bar e jogando truco. No caso da ex-aluna, Lucy, foi perseguição mesmo. Me arrependo. 

Mas tivemos outras passagens boas. Por exemplo, fui convidado a ser padrinho de casamento de um casal de alunos, Jânio e Rita. E a coisa ficou tão séria que fui convidado a ser padrinho de batismo da criança, Leonardo, que nasceu daquela união. Fui convidado a ser paraninfo da turma de PP dos cursos da manhã e noturno na Metodista.

Me casei duas vezes com alunas que frequentavam as minhas aulas. Brinco com as pessoas dizendo, que se continuasse a lecionar, estaria fazendo rodízio de casamentos. Ainda bem que, após o segundo casamento, larguei as aulas e não a aluna (risos).
Amigos da Abras. A Soninha está à frente.

Criei uma boa relação com ex-alunos. Sou amigo de muitos até hoje, em especial um casal encantador, Felipe e Sandra. Fundei com ele, Felipe Marques, um estúdio de arte, Kyron, que hoje poderíamos considerar um escritório de web-design. Sonia Salgueiro, jornalista, chegamos a trabalhar juntos por vários anos na redação da revista SuperHiper, da Abras. E hoje, nos encontramos algumas vezes com os ex-colegas da Abras para relembrarmos aquela época e jogar conversa fora em botecos espalhados por S. Paulo.

Às vezes cruzo com ex-professores pelas ruas de Sampa. É o caso do professor Mário, da Fiam, um dos mais antigos. Colegas da Metodista ainda cruzam comigo em restaurantes, museus, teatros, etc...Caso do Fernandy Ito, responsável por me levar na Metodista. Gylmar Godoy, que começou como monitor e foi efetivado mais tarde como professor. 

Criei a figura do monitor de classe na Fiam/FMU, quando ainda não era chamado de professor-auxiliar, que mais tarde foi oficializado desta forma. A função não era remunerada, mas sempre estava lá me ajudando e super motivado. Foi o caso de um ex-aluno e amigo, José Abdo. Anos mais tarde, o vi na Câmara Municipal da cidade de S. Paulo, como assessor parlamentar.

Criei há mais de 30 anos na Metodista, juntamente com os professores Antônio Moura e Rogério Cadengue, um jornal experimental, 'O Rudge Ramos', uma espécie de jornal laboratório para os alunos do curso de jornalismo, hoje jornal de circulação na cidade e com uma versão on-line. 
Reprodução

Passaram por lá, estudantes que se transformaram em jornalistas conhecidos como Fernando Rodrigues, da Folha e UOL. Zileide Silva, hoje cobrindo pela TV Globo, a capital federal, Brasília. Ana Maria Donato, hoje da empresa Imaginadora Mkt, super conhecida no segmento de turismo. Começou na editora Panrotas, também do mercado de turismo brasileiro.

Pois é, amigos, leitores de minhas memórias. Ter histórias para contar é muito bom, deixar um legado é auspicioso. Ter amigos que me acompanham desde então, é maravilhoso.

Sou muito feliz por estar aqui escrevendo, mantendo viva a nossa memória. Saber que as experiências passadas nos serviram para poder crescer humanisticamente.

Comentei nestes dias com minha esposa: – Sabe, Lili, aquele ditado que diz: "Plantei uma árvore, escrevi um livro e fiz um filho, agora já posso morrer!", não está com nada. É furado. O negócio é continuar vivendo, escrever mais, mesmo que não seja um livro, plantar árvores, isso deve ser contínuo.

Não podemos parar. Ativar é o verbo a ser conjugado. Atividades e mais atividades. Serviços voluntários, ajuda aos que mais precisam, devemos manter a chama da vida, super acessa. Neste período atual estamos vendo uma jornada da chama da Tocha Olímpica. Que isso sirva de aprendizado no geral, depois que as Olimpíadas chegarem ao seu final.
Que assim seja, Graças a Deus.

domingo, 17 de julho de 2016

Resgate de atos do passado. (2)

Olá amigos, mais uma vez venho a falar de atitudes exageradas de um professor de comunicação. Estamos nos anos 70, provavelmente 1978. Lecionava várias matérias técnicas na Fiam/FMU, instalados no prédio que por pouco não foi um supermercado na região do Morumbi, Praça dos Três Corações.
Tínhamos sido transferidos de um antigo prédio à avenida Jabaquara, ao lado do Instituto de Cegos, próximo da Igreja de S. Judas Tadeu, e lá ainda éramos a Fiam, Faculdades Integradas Alcântara Machado.

Prédio novo, muitos alunos antigos misturados aos alunos recém ingressos após vestibular de início de ano. Iniciava então aquele ano letivo. Uma festa de calouros era marcada para um final de semana numa região próxima de S. Roque. Eis que todos estavam naquela chácara e um grupo de professores foram destacados para participar de um jogo comemorativo, alunos X professores.
Lá ia o professor Salim, sempre requisitado, por ainda ser bastante jovem, vez e sempre confundido como aluno.
Sob aquele sol escaldante, correndo para lá e pra cá, atrás da bola, não foi inesperado que os professores vencessem a contenda. Apupos à parte, seguimos para a parte mais esperada do dia. A confraternização, comer e beber, pois ninguém era de ferro.
O churrasco era a pedida. Bifes saborosos sendo colocados na grelha gigante, fumaça para todo lado, fila e lá estava com um pão cortado ao meio esperando colocar a carne para saboreá-la.
Na frente de uma bancada, após o final da fila, estavam todos sedentos para receber o tal bife. Impaciente, furei a fila e peguei a primeira fatia, no entanto, uma aluna caloura que ajudava no serviço, segurou minha mão e retirou à força aquele bife e ainda me deu uma dura, pedindo que eu voltasse para trás, ocupando os últimos lugares daquela fila.
Confesso que fiquei fulo da vida, me voltei e gravei aquele rosto da aluna que fizera este ato autoritário e moralista. Me senti ultrajado. Era uma gordinha de nome Lucy. Caloura.

Passados alguns anos, já nos semestres em que eu daria as aulas a ela e sua turma daquele ano de 1978, me vejo novamente frente a frente com minha algoz.
Não disse nada e ela nem me reconheceu, porém minha memória de elefante havia guardado aquele rosto.

Seguiam-se as aulas e no dia da primeira prova, naquela época, meu critério era prova individual para cada um dos quase 80 alunos. Portanto não havia resposta pronta no geral, era uma por uma, puramente descritiva e única.
Me dava muito trabalho para corrigir, porém em troca, ficava no controle do aluno. Se tivesse assistido as aulas, responderia, mas se fosse relapso, dançaria. O carimbo da nota zero era o que mais se gastava. 

A prova da Lucy foi merecedora de zero, talvez porque eu fui demasiadamente cruel na pergunta única. Escolhida a dedo, dedo daquela mão que foi subtraído o tal bife, daquela determinada festa de calouros.
Vingança feita. Ficou em DP. Hoje ao lembrar deste episódio, quando comento com alguns familiares e amigos, me envergonho de ter tomado tamanha atitude. Mas era coisa daquele professor jovem e idealista, que achava que a punição era o que deveria imperar. Triste lembrança de uma perseguição que cometi em nome de uma insensatez estúpida. 

Mas também tenho uma outra lembrança desta mesma época que foi justamente oposto às essas atitudes radicais de estupidez.
Os alunos mais veteranos que acabavam voltando a ter aulas de outra matéria que eu lecionava, ao regressarem naquele convívio, onde já nos conhecíamos, tinham uma outra relação comigo. Muito mais amigável e tolerante. 
Alguns alunos da classe das sexta-feiras, após a segunda aula, no intervalo iam para um dos bares mais próximos e ficavam jogando 'truco' e abusavam da bebida.

Muitos não voltavam para sequência das aulas, após o intervalo. Então, por quase falta absoluta de quórum, eu encerrava a aula uns quinze minutos antes e me deslocava para aquele boteco com a lista de chamada e pedia aos meus 'queridos' exilados das aulas, assinarem a presença. Fazia isso com uma certa regularidade. Acabei conquistando o respeito daqueles rebeldes. 

Anos após, há muito tempo, provavelmente 18 anos passados, já não era professor, tinha me decepcionado na Metodista em 1985, como disse num outro post e desistido definitivamente de lecionar. 

Afastado há tempos daquela aura de mestre, como me chamavam carinhosamente, cruzo num corredor do shopping Ibirapuera com um homem acompanhado de sua esposa e um casal de filhos. Ele ao me ver igualmente com as minhas duas filhas, grita dizendo: – Salim, meu mestre, meu grande mestre! Era um ex-aluno de nome Severo, já marcado pelo tempo, um pouco obeso. Me abraça, coloca a sua cabeça, encostando em meu peito do lado do coração e diz, se dirigindo as minhas filhas. – Seu pai foi um grande exemplo que tive na vida. Um verdadeiro mestre. 
E agora se dirigindo a esposa e filhos, falou que, naquela ocasião, eu ia no bar pedir que ele assinasse a lista de presença e com esse exemplo de generosidade de minha parte, ele acabou deixando de perder um tempo de sua juventude na bebida e no jogo, cabulando as aulas de sexta-feira. Nos anos seguintes acompanharia as aulas como um verdadeiro CDF. Tinha buscado a seriedade apenas por um ato de compreensão de um certo professor Salim. 

Como podem ver, fui capaz de uma perseguição insana e depois, uma rendição. 
Essa história me lembra uma passagem bíblica de Saulo de Tarso, um judeu perseguidor dos seguidores de Jesus Cristo, que acabou se convertendo e propagou a palavra de Cristo posteriormente.
Longe de mim querer me comparar ao apóstolo São Paulo, mas um gostinho de generosidade é bem melhor do que os atos de perseguições.

Severo e Lucy, aonde vocês estiverem, sejam felizes. Assim seja, graças a Deus.

domingo, 3 de julho de 2016

Resgate de atos do passado (1).

Outro dia destes publiquei um post sobre a minha reforma íntima.
Lá narrava várias coisas que cometi e fiz uma espécie de 'mea culpa'. 
Resultado! Até a minha esposa, Nina, disse: – Você pegou pesado contra si mesmo. 
Retruquei, dizendo: – Fui terrível, sim, persegui alunos em nome de uma moralidade exagerada e proporcionalmente desnecessária.

Passados alguns dias, num almoço com amigos, ex-colegas de trabalho, um que leu o post me disse: – Ainda bem que te conheci na fase atual. (risos)
A partir dai resolvi escrever sobre os atos que cometi e as reais consequências deles. Prometo que farei vários relatos, mas inicialmente destaco um dos mais pitorescos nessa nova série de posts, 'Resgates de Atos do Passado'.

Vamos lá. Estamos no ano de 1982, alunos do segundo semestre do curso de comunicações da Metodista. Dentro de minha disciplina, altamente técnica, os alunos não entendiam as aulas teóricas de coisas não palpáveis. Havia um grande desinteresse, principalmente pelas mulheres.
Afinal, na flor da idade, 19 anos, namorado esperando com o carrão lá fora, elas não viam a hora daquela aula chata acabar.

Vieram as provas. Resultado, o público feminino não ia bem. Lembro-me que dei uma dezena de notas 'zero'. No meio das desiludidas, estava Sandra. Morena, alta, bonita, simpática, atrativos de mulheres bem criadas, de pais da alta sociedade da Região do ABC. Nata da nata. Num primeiro momento a estupefação. Zero, professor? O que eu não fiz, perguntavam. Nada, respondia, me dirigindo a elas. Ai, num segundo momento, a crítica ao teor das aulas e a real necessidade de se saber sobre aquela tecnicidade toda.

Conflito geral. Passa-se o tempo, vem as provas finais de semestre e a classe em sua maioria aguardava os exames. Sandra estava lá. Prova dada e notas que se repetiram. Nota zero para ela e alguns alunos menos esforçados.
Veio o semestre seguinte e não mais cruzei com os alunos reprovados. Os que ficavam em recuperação ou dependência, pagavam uma taxa e seguiam os outros semestres normalmente e só voltavam a fazer os exames finais.

Tempos depois fui chamado pela direção e o diretor administrativo, pastor Otoniel, me pede que eu revise a nota de uma aluna de nome Sandra, pois os seus pais eram delegados do trabalho e que poderiam ser mais rígidos com futuras autuações contra a área de RH.
Me neguei e informei que nada mudaria em relação às notas dos alunos reprovados. 
Caso encerrado. 

Continuei a minha saga de professor intransigente. Reprovei muitos alunos. A nota zero faria parte do meu currículo. A fama corria solta.

Anos mais tarde, já era 1985, quando desiludido por lecionar para uma geração desinteressada, peço meu afastamento do corpo docente do antigo IMS, hoje Universidade Metodista. Cumprindo a rotina de um desligamento, sigo para fazer a homologação na Justiça do Trabalho de S. Bernardo do Campo. Ao ser chamado para o atendimento, uma senhora loira me diz: – Sente-se professor Salim, é um grande prazer conhecê-lo! O senhor nem imagina a alegria que terei em homologar a sua saída da Metodista.
Fiquei estupefato! Quem seria essa estranha senhora que demonstrava uma alegria inusitada pela minha demissão? Eis que se apresenta. Sou fulana, mãe de Sandra que o senhor reprovou, dando o primeiro zero da vida dela.
Por causa disso, tive que transferi-la para outra escola e recentemente matriculamos em uma universidade na Espanha. Estamos todos entristecidos com o afastamento da família, etc... 
Hipotequei meus sentimentos pela decepção e assinei a homologação, dando por encerrado este capítulo de minha vida. Quanto sofrimento causei para essa moça e a família.

Levaria para meu túmulo este episódio terrível, onde jamais me perdoaria por tal malfeito que fiz. Mas a vida nos prega muitas peças. 
Eu, depois do afastamento das aulas, num retiro compulsório que fiz, não me afetou profissionalmente, e segui trabalhando num estúdio próprio.

Mais tarde após bons serviços prestados, fui contratado nos anos 90 pela Abras
Lá editava uma revista mensal, a SuperHiper. Como toda empresa, buscávamos competitividade e a ordem era baixar custos aumentando o lucros. A fonte de receita da associação era a Feira Nacional (no Rio de Janeiro), um Encontro de Supermercadistas (em São Paulo) e as 12 edições da revista. 

Teve um período, creio em 96 e 97, produzíamos a revista no Brasil e imprimíamos no Chile, em Santiago. O responsável por esta tarefa era justamente eu.

Minha vida naqueles anos resumia-se em produzir a revista, pegar os arquivos digitais e levar comigo para Santiago. Todos os meses. Um rotina cansativa, pois não era uma viagem de lazer. E quando você viaja a trabalho, a visão não é de um turista qualquer. Não conheci as atrações da bela cidade andina, apenas mais tarde em viagem normal com a família, desfrutei da culinária e paisagens do Chile.

Porém numa destas viagens técnicas, no retorno ao Brasil, em voo fora do horário de pico, com o aeroporto, alfândega desertos, sigo até o Free Shop (Duty Free).
Ao entrar na loja vazia, uma pessoa vem ao meu encontro, gritando, me dá um abraço, e me apresenta como "aquele cara" que havia provocado a sua independência familiar. Era justamente Sandra.

Aquela ex-aluna que eu lasquei um zero na prova final de semestre. Aquela mesma Sandra que a mãe me havia dito que teve de tirá-la da escola e matriculá-la na Espanha. Neste dia, recebi tanto brinde, que não consegui comprar nada. Nem precisava. As moças e os rapazes que lá trabalhavam foram apresentados um a um, através da Sandra, repetindo aquele discurso do qual eu era o tal responsável pela libertação dela.

Neste dia, voltando pra casa, fui no caminho me lembrando de cada momento daquela época da faculdade. Aquele sentimento de remorso por ter sido um professor intransigente, daquela hora em que a senhora da Justiça do Trabalho, a mãe de Sandra, me falava dos males que causei, fiquei pensando: "Puxa vida, fiz o que fiz e libertei uma alma que era aprisionada pelo jugo familiar, libertei uma garota mimada". 
Repetia o ditado me colocando no lugar de Deus, 'aquele que faz tudo certo, mesmo por linhas tortas'. Que legal ser redimido. Ser resgatado. Que legal ser libertado de tão tristes memórias. 

Oi, Sandra, aonde você estiver, que estejas bem com a sua família. Que assim seja, graças a Deus.