domingo, 17 de julho de 2016

Resgate de atos do passado. (2)

Olá amigos, mais uma vez venho a falar de atitudes exageradas de um professor de comunicação. Estamos nos anos 70, provavelmente 1978. Lecionava várias matérias técnicas na Fiam/FMU, instalados no prédio que por pouco não foi um supermercado na região do Morumbi, Praça dos Três Corações.
Tínhamos sido transferidos de um antigo prédio à avenida Jabaquara, ao lado do Instituto de Cegos, próximo da Igreja de S. Judas Tadeu, e lá ainda éramos a Fiam, Faculdades Integradas Alcântara Machado.

Prédio novo, muitos alunos antigos misturados aos alunos recém ingressos após vestibular de início de ano. Iniciava então aquele ano letivo. Uma festa de calouros era marcada para um final de semana numa região próxima de S. Roque. Eis que todos estavam naquela chácara e um grupo de professores foram destacados para participar de um jogo comemorativo, alunos X professores.
Lá ia o professor Salim, sempre requisitado, por ainda ser bastante jovem, vez e sempre confundido como aluno.
Sob aquele sol escaldante, correndo para lá e pra cá, atrás da bola, não foi inesperado que os professores vencessem a contenda. Apupos à parte, seguimos para a parte mais esperada do dia. A confraternização, comer e beber, pois ninguém era de ferro.
O churrasco era a pedida. Bifes saborosos sendo colocados na grelha gigante, fumaça para todo lado, fila e lá estava com um pão cortado ao meio esperando colocar a carne para saboreá-la.
Na frente de uma bancada, após o final da fila, estavam todos sedentos para receber o tal bife. Impaciente, furei a fila e peguei a primeira fatia, no entanto, uma aluna caloura que ajudava no serviço, segurou minha mão e retirou à força aquele bife e ainda me deu uma dura, pedindo que eu voltasse para trás, ocupando os últimos lugares daquela fila.
Confesso que fiquei fulo da vida, me voltei e gravei aquele rosto da aluna que fizera este ato autoritário e moralista. Me senti ultrajado. Era uma gordinha de nome Lucy. Caloura.

Passados alguns anos, já nos semestres em que eu daria as aulas a ela e sua turma daquele ano de 1978, me vejo novamente frente a frente com minha algoz.
Não disse nada e ela nem me reconheceu, porém minha memória de elefante havia guardado aquele rosto.

Seguiam-se as aulas e no dia da primeira prova, naquela época, meu critério era prova individual para cada um dos quase 80 alunos. Portanto não havia resposta pronta no geral, era uma por uma, puramente descritiva e única.
Me dava muito trabalho para corrigir, porém em troca, ficava no controle do aluno. Se tivesse assistido as aulas, responderia, mas se fosse relapso, dançaria. O carimbo da nota zero era o que mais se gastava. 

A prova da Lucy foi merecedora de zero, talvez porque eu fui demasiadamente cruel na pergunta única. Escolhida a dedo, dedo daquela mão que foi subtraído o tal bife, daquela determinada festa de calouros.
Vingança feita. Ficou em DP. Hoje ao lembrar deste episódio, quando comento com alguns familiares e amigos, me envergonho de ter tomado tamanha atitude. Mas era coisa daquele professor jovem e idealista, que achava que a punição era o que deveria imperar. Triste lembrança de uma perseguição que cometi em nome de uma insensatez estúpida. 

Mas também tenho uma outra lembrança desta mesma época que foi justamente oposto às essas atitudes radicais de estupidez.
Os alunos mais veteranos que acabavam voltando a ter aulas de outra matéria que eu lecionava, ao regressarem naquele convívio, onde já nos conhecíamos, tinham uma outra relação comigo. Muito mais amigável e tolerante. 
Alguns alunos da classe das sexta-feiras, após a segunda aula, no intervalo iam para um dos bares mais próximos e ficavam jogando 'truco' e abusavam da bebida.

Muitos não voltavam para sequência das aulas, após o intervalo. Então, por quase falta absoluta de quórum, eu encerrava a aula uns quinze minutos antes e me deslocava para aquele boteco com a lista de chamada e pedia aos meus 'queridos' exilados das aulas, assinarem a presença. Fazia isso com uma certa regularidade. Acabei conquistando o respeito daqueles rebeldes. 

Anos após, há muito tempo, provavelmente 18 anos passados, já não era professor, tinha me decepcionado na Metodista em 1985, como disse num outro post e desistido definitivamente de lecionar. 

Afastado há tempos daquela aura de mestre, como me chamavam carinhosamente, cruzo num corredor do shopping Ibirapuera com um homem acompanhado de sua esposa e um casal de filhos. Ele ao me ver igualmente com as minhas duas filhas, grita dizendo: – Salim, meu mestre, meu grande mestre! Era um ex-aluno de nome Severo, já marcado pelo tempo, um pouco obeso. Me abraça, coloca a sua cabeça, encostando em meu peito do lado do coração e diz, se dirigindo as minhas filhas. – Seu pai foi um grande exemplo que tive na vida. Um verdadeiro mestre. 
E agora se dirigindo a esposa e filhos, falou que, naquela ocasião, eu ia no bar pedir que ele assinasse a lista de presença e com esse exemplo de generosidade de minha parte, ele acabou deixando de perder um tempo de sua juventude na bebida e no jogo, cabulando as aulas de sexta-feira. Nos anos seguintes acompanharia as aulas como um verdadeiro CDF. Tinha buscado a seriedade apenas por um ato de compreensão de um certo professor Salim. 

Como podem ver, fui capaz de uma perseguição insana e depois, uma rendição. 
Essa história me lembra uma passagem bíblica de Saulo de Tarso, um judeu perseguidor dos seguidores de Jesus Cristo, que acabou se convertendo e propagou a palavra de Cristo posteriormente.
Longe de mim querer me comparar ao apóstolo São Paulo, mas um gostinho de generosidade é bem melhor do que os atos de perseguições.

Severo e Lucy, aonde vocês estiverem, sejam felizes. Assim seja, graças a Deus.

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