terça-feira, 15 de novembro de 2022

Espectros sociais, a dura realidade.

Vou lembrar neste post, que podemos chamar de crônica, que foi justamente num destes trajetos de ônibus que comecei a tomar gosto por escrever esses relatos do cotidiano em que vivemos. Depois que deixei de trabalhar no centro velho de Sampa, época que ia trabalhar de carro próprio, até o ano de 2014, deixava de assistir fatos que nos enriquecem. Desde então criei um blog nas redes sociais. E é lá que escrevo tudo que se passa neste cérebro, hoje com 71 anos. São relatos frutos de minha observação, de minhas memórias, minhas experiências, enfim tudo que meus olhos filmam e que meus dedos produzem num teclado de computadores, notebooks, celulares ou até folhas de papel, que mais tarde são transformados em linhas de um texto em meio digital.

Viajar de ônibus é uma sensação única de conviver com a mais enriquecedora forma de aprender, assistir, participar da vida como realmente ela é. É onde o inusitado surge inesperadamente. Dentre as várias linhas que me servem a partir de onde eu resido até o centro de S. Paulo, tem a linha 8594-10, Lapa/Pça Ramos, com os 17 pontos de embarques e desembarques, desde o ponto em que subo até onde costumo descer, já próximo do ponto final, na Praça da República.

Há dias atrás, a convite de um grande amigo que trabalha na rua Major Sertório, Dênis, de uma copiadora, amizade nascida ironicamente depois que me aposentei do trabalho nesta mesma rua em 2014. Pois então, dia e hora marcada para um almoço, onde rolaria as conversas polêmicas sobre o pleito eleitoral das Eleições Presidenciais, sobre o acirramento dos grupos que criaram o radicalismo e polarização, gerando essa convulsão social que vivemos neste momento. Não imaginei, ao ingressar naquele coletivo municipal, e observar tantas situações que passarei a relatar. Vou procurar ser fidedigno aos fatos em sua ordem cronológica mais possível.

Costumo, por conta do horário, já que vou para a cidade num encontro para almoçar, e evitar o aglomerado de passageiros nos horários de rush e também, pelo cuidado a essa pandemia, que ainda graça nossa cidade. Passava das 11 horas da manhã.

Ao ingressar no ônibus, relativamente cheio, procuro os lugares reservados ao uso preferencial, no meu caso específico para idosos, sentei-me ao lado de um sujeito, que longe de ser idoso, ou que tivesse outro critério para tal uso, que participava de uma 'live' em seu celular. Pelo menos, tomou cuidado com o áudio com o uso de fone de ouvido, mas o que ele verbalizava, era perfeitamente audível. E o que pude ouvir perfeitamente claro, era que ele tratava todos de "companheiros".
Óbvio que era um sindicalista ligado ao partido que havia vencido as recentes e polêmicas eleições daquele final de semana anterior. O que pouco ouvi, me deu a nítida impressão que farão de tudo para radicalizar nos enfrentamentos com os seus adversários. Cansei de ouvir tanto ódio daquele cidadão que me mudei de assento, passando a catraca e me sentei ao fundo, visão que mostro na foto que posto junto deste relato.

Daquela posição, que podemos chamar de visão geral, panorâmica, começou o circo de horrores daquele coletivo. Num determinado ponto do trajeto, uma jovem mãe com uma criança no colo senta-se atrás do motorista. A criança provavelmente portadora do espectro autista, não fica tranquilo e começa a gritar e se torna difícil de ser controlada e incomoda as pessoas presentes próximas dos lugares. Num assento individual do lado oposto do motorista, assento este, sobre a roda lateral da frente à direita, tem um ocupante, tratava-se de um senhor de idade, aliás, usava a máscara, assim como eu e outra senhora, que também estava próxima dele, noutro banco individual que fazia posição oposta a ele. Os demais usuários não se utilizavam das máscaras, apenas nós três e mais o motorista e o cobrador.

A certa altura, aquele senhor visivelmente incomodado com os gritos daquela criança autista, começa um ataque a jovem mãe, e aos gritos pede que controle o seu filho. Esta atitude grotesca e desumana, faz com todos ali nas proximidades, repreendam o idoso mal-educado, preconceituoso e impaciente. Aquela senhora e mais outra que estava de pé, à frente do motorista, começam um bate-boca generalizado, o suficiente para o motorista parar o veículo e expulsar tal cidadão. Este por sinal, sai quase aos tapas com o motorista, imediatamente contido por aquela mulher de pé e o cobrador. Um verdadeiro perrengue a bordo.

Ânimos contidos, volta-se à normalidade, seguimos em frente rumo ao centro da capital. Eu permaneço naquele lugar privilegiado, estou posicionado num lugar que vejo toda a movimentação dos passageiros. Avisto agora um outro senhor, com seus aparentes 50 anos, pardo, com vestimentas de uma pessoa de poucos recursos, acho até que seja um sem teto, morador de rua. Estava sentado no corredor. O coletivo parcialmente cheio, não tinha lugares vazios nas janelas. Quando de repente um passageiro se desloca do assento de janela, ele sai do local em que se encontrava e tenta o assento da janela, porém a pessoa que estava ao daquele que saia, se desloca para a janela. O nosso amigo, mais uma vez fica sem a chance de ficar na janela. Mais um ponto se aproxima e há movimentação de usuários e finalmente um local de janela fica disponível à aquele cidadão que adora uma janelinha, igual ao ex-jogador Romário, da seleção brasileira.

Na minha ânsia de observação, noto outras coisas que me causam más impressões no comportamento humano. O uso inapropriado da faixa exclusiva de ônibus. Como os nossos motoristas são egoístas e mal educados. Fecham cruzamentos, não dão passagem aos transeuntes nas faixas próprias, queimam as faixas atrapalhando as pessoas. Enquanto isso, aquela senhora que estava de pé na frente do motorista, continua desrespeitando o aviso clássico de "não conversar com o motorista". São atitudes como estas que nós fazem desacreditar na educação do brasileiro. Somos um povo indisciplinado por natureza. A única lei que impera por aqui é a Lei de Gerson.

Já me aproximando do ponto de desembarque, acessando a Praça do Arouche, antiga praça que tinha um charme europeu, ao me deslocar para um assento próximo da porta de saída, vejo uma passageira que permaneceu no mesmo local desde que eu havia entrado. Uma adepta da onda de patriotismo que ficou exacerbada com a polarização política, toda enrolada com a nossa bandeira (vide foto). Ainda bem que aquele "cumpanheiro" já tinha descido, pontos antes. Já pensaram outro perrengue no busão? 

Como disse num outro post anterior nos meus stories, que faria uma crônica sobre o espectro, aliás, escrevi errado, expectro com X, que corrijo agora a nossa falha. Neste caso, denominamos de “espectro social” o conjunto de possibilidades, não necessariamente antagônicas, de comportamentos específicos nas mais variadas formas de interação, seja com outros indivíduos, seja com as instituições sociais existentes no presente momento. A nossa sociedade está deveras doente. Precisamos ser mais tolerantes, perdoarmos as pessoas, acabar com o individualismo, exercemos o cooperativismo, acabarmos com o egoísmo, da mesma forma com o antagonismos dos nossos ideais, aprender com os mensageiros da Paz como Jesus, São Francisco, Santo Agostinho, Gandhi, Mandela, Madre Teresa, irmã Dulce, Chico Xavier, Zilda Arns, enfim, bons exemplos não nos faltam.  

E aí, cara pálida, vai deixar de usar o carro para ir ao trabalho? Pelo menos uma vez por semana, mês... Vai deixar um pouco a tua zona de conforto e colocar a cara na realidade nua e crua? Vai sentir na pele o que os mais vulneráveis vivem ou sentem? Aqui deixo um pensamento do finado Cazuza. "O que mais odeio é gente complicada e preconceituosa, hipocrisia e ser acordado. Nenhuma outra coisa consegue ser pior do que isso". Literalmente acho que ele confunde com o 'ser acordado', creio que precisamos ser acordados, sim, mas da consciência.

Fiquem com Deus no coração. Paz e Amor.