segunda-feira, 27 de junho de 2016

A minha reforma íntima.

Dizem que nada nesta vida é por acaso, eu concordo e assino embaixo.
Quem me conhece sabe que sempre fui osso de roer. Às vezes me acusam atribuindo este gênio indomável ao fato de ser geminiano. Puro sentimento acomodado. Se esconder por trás de um esteriótipo, maldade na base do subterfúgio.

Recordando e vivendo permanentemente faço balanços das minha atitudes, reconheço que tive um comportamento difícil, aliás, tinha. Por que tinha? Tardiamente me envolvi de cabeça (diria de corpo e alma!) no espiritismo de Kardec. Me transformei em outra pessoa. Para melhor é claro, segundo minha companheira de caminhada espiritual, Nina. Ela diz com propriedade em afirmar isso, pois me conheceu em duas etapas distintas de minha vida, ou seja, dos 20 aos 25 anos e mais tarde dos 55 aos atuais 65 anos de vida.

No interregno deste período, casei-me duas vezes, tive um filho no primeiro e duas filhas no segundo. Não posso dizer que fui um primor de marido, muito embora o papel de pai tenha feito muito bem, esta última postura, porém dita pelas ex-esposas, como exemplar.

No caso, como homem de família e como homem atuando profissionalmente, tudo fiz de forma equivocada. Não fui um exemplo a ser seguido. Dono de um temperamento esquentado, chato, mal educado, beirando a grosseria. Me sentia poderoso por onde trabalhei, mandava prender e soltar.

Como professor universitário fui terrível. Perseguidor, punia os alunos ao invés de fazer o ato de ser um verdadeiro educador. Questionador dentre os colegas. Indisciplinado na conduta profissional, apesar de ter sido escolhido como paraninfo em uma das turmas nos cursos de Comunicações da Metodista, SBC.

No trabalho profissional, desde cedo não aceitei ser empregado e parti para o empreendedorismo boçal e individual. Quebrei a cara. Fundei duas empresas. Mas lutei contra tudo e todos. Consegui muitas conquistas. Fui um exigente profissional na área de publicações, cheguei a ser editor de uma grande revista corporativa do segmento de alimentação e serviços de distribuição. Mais tarde, mais experiente, cuidei da área de marketing no segmento de turismo durante quase duas décadas e ai melhorei um pouco.

Percebi um sentimento de 'amor e ódio' ao mesmo tempo, tipo o slogan dos militares na época da ditadura: 'Ame-o ou deixe-o' (Risos). 
Fui uma pessoa que conquistou tudo antes dos 50 anos de idade. Aquele papo de 'meio milhão", senti este prazer. Mas no fundo era um cara que proporcionava pouco sentimento de amor. As 'ex' sempre me acusavam de não ser romântico em relacionamento amoroso. 
Uma me considerava o Pato Donald! Explico melhor: mau humorado, ranzinza, chato, porém adorado pelas pessoas. Mas justamente depois dos 50, comecei a encontrar dificuldades. Quer nos relacionamentos, o segundo casamento já fazia água, mais uma vez jogava tudo pela janela. 

Aquele emprego bom, aquele momento de auge de bens materiais. Apartamento fantástico em Moema, sítio em estância climática, apartamento em condomínio no litoral norte, carros e mais carros, me enchi da vida boa. Fui atrás daquele instinto empreendedor e boçal mais uma vez. 

Só que desta vez com maior responsabilidade nas costas, filhos, enormes despesas, muitos encargos. Arruinei tudo, perdi tudo, vi os amigos evaporarem, o dinheiro seguiu por ralo afora, vindo depois o segundo casamento a ruir e atrelado a isso atingido por um grave acidente onde fraturei o úmero em três partes e que me frustrou meus movimentos, causando danos irreparáveis. Fiz três cirurgias para voltar parcialmente a movimentar o braço esquerdo.

Entendi nesse período que Deus me havia dado mais uma oportunidade. 
Ai veio o meu descobrimento. Apesar de ser uma pessoa kardecista, por conveniência. Aceitei aquele sinal e fui de cabeça, tronco e membros, 'os bons e os danificados'.
Assumi de vez o meu dever. Ser espírita, ser uma pessoa melhor, procurar se redimir e seguir em frente, antes tarde do que nunca.

Neste período alguns sinais apareceram para me forjar ainda mais. Perdi num intervalo de menos de um ano, meu querido irmão Hatim Jr. e meu pai, Hatim.
Aceitei melhor esses tristes momentos, pois me confortava na Doutrina Espírita de Kardec. 

Encontrei-me novamente com a minha atual esposa, Nina, agora mais maduros e longe daqueles jovens impetuosos de outrora. Ela vinha de grandes frustrações que a vida lhe havia aplicado e eu, querendo me reerguer. A tal frase do começo deste post, que nada é por acaso, se fazia valer mais uma vez.

Mais tarde, nestes últimos 10 anos de convívio familiar, passamos por várias situações. Boas e desagradáveis. 
Tudo ao seu tempo. Porém protegidos no aprofundamento dos estudos da Doutrina Espírita. Tolerância, respeito, dedicação, generosidade, voluntariado, paz e amor ao próximo, nos fez e nos fazem ser novas pessoas.

Nosso entendimento sobre a vida encarnada, nos transformou. Ao estudar a Terceira Revelação mudamos a nossa compreensão da vida terrena e do universo. 
E por consequência atingiu nossa forma de se relacionar com as pessoas da família e amigos, com a sociedade onde convivemos e o com mundo que habitamos.

Tentar ser melhor, aprender a amar, fazer o bem, buscar o entendimento do que nos cerca na vida material e espiritual. Ouvir e sentir o Evangelho de Cristo. Exercer o que vemos, por exemplo, no Sermão da Montanha.
Ouvi neste dias durante as nossas aulas no Centro Espírita que participamos que eu, Jorge Luiz Salim, sou outra pessoa. Testemunho de quem viveu e vive comigo, como disse, em duas etapas de vida.

Me lembro de uma passagem, divulgada nas redes sociais ou televisão que uma mulher, ao ser questionada pelo pastor de uma igreja, se o marido a fazia feliz. Ao que, imediatamente seu companheiro, que estava ao lado, se levantou para ouvir o elogio rasgado, acabara de se decepcionar ao ouvir daquela mulher, naquele instante dizendo que não. Ela continuou dizendo ser feliz por ela própria, e por consequência junto ao marido e filhos.

Primeiramente devemos ser nós mesmos. Sermos felizes por si, de dentro de nós e ai a felicidade será completa junto dos nossos. Uma cadeia de sentimento bons, começa conosco, internamente. E sucessivamente, nesta mesma cadeia, tudo se complementará. Afirmo que mudei, mas mudei a minha compreensão de se viver em relação a tudo e todos.

Digo que nasci de novo. A cada lição aprendida tenho um ano de vida. Não o tempo como entendemos como tal. Mas sim de vida espiritual.
Cada pessoa que eu conheço comento sobre este assunto, cada grão de semente de mostarda, conseguido, torna-se uma verdadeira vitória. Não busco conversões, não apelo, apenas divulgo o que eu acredito, se concordam, fico feliz.

Respeito as religiões proferidas por todos os meus amigos, mas lembro que o maior de todos, Jesus é o nosso mestre. Mestre da verdade, do amor e detentor das chaves das várias moradas do Pai.
Me sinto bem em fazer o bem, em fazer o melhor que posso. Por exemplo, ao escrever este depoimento, fiquei super feliz, regozijo por falar diretamente com Ele e com vocês.

Que assim seja, graças a Deus.
*As frases nos boxes, são citações de Chico Xavier.


“A existência terrestre pode ser comparada a uma laboriosa viagem. O corpo é a embarcação, o pensamento é a força, a língua é o leme".  

(Emmanuel /Chico Xavier - Livro: O Espírito da Verdade)



quarta-feira, 22 de junho de 2016

Minhas previsões aos 20 anos. Hoje, nenhuma confirmação.

Quando se envelhece a gente gosta de voltar ao passado e procurar se lembrar de coisas boas. Esse comportamento nostálgico é natural e não vemos novidade em falar sobre isso. Afinal lembrar de fatos passados agradáveis é sempre auspicioso. 

Recentemente completei 65 anos. As redes sociais foram generosas comigo. Mais ainda, os meus familiares e amigos próximos. Gostei de atingir os 65 anos de vida. 
Ai um fato antigo chegou e fui buscar na memória um momento que reputo como interessante de se lembrar. Creio que apenas os mais antigos do que eu e os da mesma faixa entenderão. Aos mais novos, resta-lhes ler e, caso queira achar interessante, computem para os seus próximos anos. 

Voltei aos anos 70, quando aqui cheguei. Menino do interior, embora da cidade de onde vim, não fosse totalmente diferente da realidade paulistana.
Tinha cinema, tinha restaurante, tinha teatro, espetáculos, gurias e damas da noite, táxis, trens e ônibus. O Metrô ainda não fazia parte do progresso da cidade, o político Paulo Maluf só era prefeito indicado do Planalto pelos militares da Ditadura. 
Este mesmo Maluf viria mais tarde tornar-se governador e ai sim, instaurar a rede subterrânea dos trens metropolitanos.

Pois então, tinha tudo na cidade grande que não me fazia surpresa. O que me surpreendeu foi um fato inusitado próximo ao local onde eu trabalhava.
Vim para estudar, cursar uma faculdade, porém já tinha em minhas veias, a gana de ganhar dinheiro e se tornar independente, mesmo ainda com menos de 20 anos de idade, procurei trabalhar durante o dia e estudar à noite.
Como hábito no trabalho que fazia, saíamos para tomar aquele cafezinho num bar próximo à gráfica onde trabalhava num estúdio de arte. Nesta saídas diárias, uma pela manhã e outra à tarde, sendo que no almoço também aproveitávamos uma paradinha para o café expresso, após as refeições.

O local, aliás de saudosa lembrança, chamava Restaurante e Lanchonete Jardim Toscano na rua São Caetano, a popular ruas da noivas, no bairro da Luz. Na frente do balcão havia um tiozinho, chamávamos de 'seo' João, já cansado do trabalho, ombros pesados, corpo pendendo de um dos lados, sempre tinha um sorriso ou comentário para mim e os amigos. Justamente na frente do local, havia um ponto de ônibus. E curiosamente ao degustar o café expresso, bem tirado e quentíssimo, virávamos pro lado e notávamos os passageiros nas janelas dos ônibus. 
 Donald Hudson
CMTC - 45 Estações. Um ônibus circular que rodava a capital, ligando os bairros onde haviam as estações de trem integradas com os ônibus. Luz, Brás, Centro (praças Clóvis, Sé e República) e a velha Rodoviária (hoje Cracolândia), na estação Júlio Prestes.
Muito bem, essa linha era extensa e o passageiro dava uma volta circular pela cidade de S. Paulo por horas. Não havia o bilhete único, o passageiro deveria pagar cada viagem.
Vi uma vez, duas, três, quatro e infinitas vezes um senhor de idade, terno e gravada, cabelos brancos, no mesmo banco de trás, à direita do motorista, lado das portas. 

A cada vez que fosse tomar café, lá passava o ônibus e lá estava o velhinho de terno e gravata, cabelos brancos delicadamente penteados. Todos os dias, alguns sábados lá estava eu tomando café e lá passava o vovozinho. Isso me intrigava. Eu questionava essa atitude deste idoso. Os paulistanos que aqui viviam, mais conhecedores dos hábitos das pessoas da terceira idade me alertavam. Os mais idosos saem e gostam de passear.

Ficar em casa era uma punição. Ficar parado era terrível. Portanto os idosos paulistanos saiam e passeavam com motorista particular. Outros preferiam as praças e jogavam dominó, dama ou baralho.
Este hábito ainda perdura no interior e nas cidades litorâneas. Andar no ônibus ou trens metropolitanos já é uma tarefa menos romântica como as que eu via no passado.

Ai vocês me perguntam o porquê de meu relato?
Voltei ao passado porque já naquela época eu previa o que seria no meu futuro. Pensava se faria como este senhor de cabelos grisalhos de terno e gravata?
Olhem só que futuro eu previa. Nunca imaginava chegar aos 65, idade provável daquele senhor. O tempo passou e me vejo ainda jovem. Se der, irei surfar nos ônibus, nos trens do Metrô ou na rede CPTM.  Vestir o terno e gravata, pentear os cabelos curtos e bem assentados, nem pensar. Uso bonés e gorros como uma criança levada.

Passear? Viajo com a minha esposa. O céu é o limite. Viagens? Quase sempre, pelo menos, todos os meses visito minha mãe de 90 anos no interior.
Com a esposa e filhas, uma vez por ano, rumamos para o exterior. Em épocas festivas e ou férias, escapamos para estâncias conhecidas pelo frio no inverno. Campos de Jordão, Águas de Lindoia no estado de S. Paulo ou Serras Gaúchas no Sul.

Mas uma coisa ainda me intriga. Confesso que, quando passo perto de estações de ônibus, pontos e terminais, procuro aquele tiozinho que me marcou a vida.
Não sei porque o procuro. Lembro-me ainda hoje daquele rosto que me marcou para sempre.
Talvez porque imaginava que a vida é passageira. E o que desta vida levamos é o que fizemos de bom. Viajamos no tempo, porque somos passageiros. Eternos passageiros.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Colibri, pode. Urubu, não pode. Somos hipócritas, podes crer.

Domingo passado acordei com a notícia que Mohammad Ali havia morrido. 
O então Cassius Clay, o negro olímpico, sucumbia a sua e derradeira luta. Contra a vida. 
Mas na história desse mito quero lembrar onde ele fora deveras invencível. Na luta contra o racismo. Deixemos de lado o outro caminho que também fora um valoroso lutador, a dos direitos civis, porém o pano de fundo sempre foi o preconceito racial.

Mas o que me faz associar a notícia da morte desse verdadeiro homem, está a surpresa que tive ao olhar pela minha janela naquela manhã nebulosa pela chuva que caíra madrugada afora.
Meio atordoado com a notícia da morte de Ali, ao abrir a veneziana, na janela à minha frente, espio o bosque que existe ao lado do prédio onde moro e lá havia um urubu pousado na copa da árvore mais alta.
Estranhei essa ave sobre os galhos mais altos e obviamente chamei minha esposa e expressei minha estranheza.

Voltei para dentro de casa e não mais me importei com o fato inusitado. Tempos depois ao voltar para o quarto, fui a té a janela e vi, bem mais próximo, nas árvores mais baixas um colibri pousando num galho e logo me dirigi ao fundo, mais ao longe para comprovar se o urubu ainda estava por lá.

Sim, o próprio estava no mesmo local. Ai veio a minha mente o paradoxo. A pergunta que permeia nossa hipocrisia.
Não estranhei o fato daquele pequeno colibri, cansado de bater as asas e pousar para um descanso. Eu não chamei minha esposa desta vez. Por que?

O urubu é diferente do colibri? São apenas aves. Vivem aos bandos na natureza. Mas o nosso preconceito não os vê desta forma.
O urubu é preto. E o colibri é esverdeado, azulado, marronzinho, amarelinho, quase não tem penas negras. Nossa cultura associa o urubu à morte, à carne podre, miséria. 
Enquanto o colibri, o beija-flor está junto aos poetas, da vida bela, do encanto, alegria, do amor, enfim.
Pasmem, fiquei me questionando. Veio do nosso pensamento, coisa adquirida por tempos, na convivência entre famílias, escolas, relacionamentos pessoais e profissionais.
O quanto somos hipócritas! Puro preconceito velado, mas que no fundo existe na sociedade em que vivemos. Me envergonho só de pensar.
Cada dia vemos as manifestações de preconceito contra a Maria Júlia Coutinho e Taís Araújo, como exemplos recentes.
Compartilhamos nas redes sociais que somos solidários contra esses ataques homofóbicos e raciais. Mas no íntimo será que aceitamos? 

Será que nós faríamos uma selfie com o urubu ao fundo? Aposto que se fosse o colibri não pensaríamos mais que duas vezes. Estamos precisando rever os nossos conceitos, urgentemente. A sociedade é canalha. Que o diga os gorilas, os pássaros, as crianças menores abandonadas. 

Na verdade precisamos muito mais de Mohammads, e menos engajamento político-partidário, lutas ideológicas de posições à esquerda ou à direita, torcidas de facções esportivas acertando as contas no meio de pessoas inocentes em pleno estádio de futebol. 
Enquanto isso, o preconceito correrá solto pelas posições mais radicalizadas. É preciso amar mais. É preciso ter em mente o mandamento simples e básico que Jesus nos ensinou e que teimamos em não exercer. "Ame o próximo com a ti mesmo".