quarta-feira, 22 de junho de 2016

Minhas previsões aos 20 anos. Hoje, nenhuma confirmação.

Quando se envelhece a gente gosta de voltar ao passado e procurar se lembrar de coisas boas. Esse comportamento nostálgico é natural e não vemos novidade em falar sobre isso. Afinal lembrar de fatos passados agradáveis é sempre auspicioso. 

Recentemente completei 65 anos. As redes sociais foram generosas comigo. Mais ainda, os meus familiares e amigos próximos. Gostei de atingir os 65 anos de vida. 
Ai um fato antigo chegou e fui buscar na memória um momento que reputo como interessante de se lembrar. Creio que apenas os mais antigos do que eu e os da mesma faixa entenderão. Aos mais novos, resta-lhes ler e, caso queira achar interessante, computem para os seus próximos anos. 

Voltei aos anos 70, quando aqui cheguei. Menino do interior, embora da cidade de onde vim, não fosse totalmente diferente da realidade paulistana.
Tinha cinema, tinha restaurante, tinha teatro, espetáculos, gurias e damas da noite, táxis, trens e ônibus. O Metrô ainda não fazia parte do progresso da cidade, o político Paulo Maluf só era prefeito indicado do Planalto pelos militares da Ditadura. 
Este mesmo Maluf viria mais tarde tornar-se governador e ai sim, instaurar a rede subterrânea dos trens metropolitanos.

Pois então, tinha tudo na cidade grande que não me fazia surpresa. O que me surpreendeu foi um fato inusitado próximo ao local onde eu trabalhava.
Vim para estudar, cursar uma faculdade, porém já tinha em minhas veias, a gana de ganhar dinheiro e se tornar independente, mesmo ainda com menos de 20 anos de idade, procurei trabalhar durante o dia e estudar à noite.
Como hábito no trabalho que fazia, saíamos para tomar aquele cafezinho num bar próximo à gráfica onde trabalhava num estúdio de arte. Nesta saídas diárias, uma pela manhã e outra à tarde, sendo que no almoço também aproveitávamos uma paradinha para o café expresso, após as refeições.

O local, aliás de saudosa lembrança, chamava Restaurante e Lanchonete Jardim Toscano na rua São Caetano, a popular ruas da noivas, no bairro da Luz. Na frente do balcão havia um tiozinho, chamávamos de 'seo' João, já cansado do trabalho, ombros pesados, corpo pendendo de um dos lados, sempre tinha um sorriso ou comentário para mim e os amigos. Justamente na frente do local, havia um ponto de ônibus. E curiosamente ao degustar o café expresso, bem tirado e quentíssimo, virávamos pro lado e notávamos os passageiros nas janelas dos ônibus. 
 Donald Hudson
CMTC - 45 Estações. Um ônibus circular que rodava a capital, ligando os bairros onde haviam as estações de trem integradas com os ônibus. Luz, Brás, Centro (praças Clóvis, Sé e República) e a velha Rodoviária (hoje Cracolândia), na estação Júlio Prestes.
Muito bem, essa linha era extensa e o passageiro dava uma volta circular pela cidade de S. Paulo por horas. Não havia o bilhete único, o passageiro deveria pagar cada viagem.
Vi uma vez, duas, três, quatro e infinitas vezes um senhor de idade, terno e gravada, cabelos brancos, no mesmo banco de trás, à direita do motorista, lado das portas. 

A cada vez que fosse tomar café, lá passava o ônibus e lá estava o velhinho de terno e gravata, cabelos brancos delicadamente penteados. Todos os dias, alguns sábados lá estava eu tomando café e lá passava o vovozinho. Isso me intrigava. Eu questionava essa atitude deste idoso. Os paulistanos que aqui viviam, mais conhecedores dos hábitos das pessoas da terceira idade me alertavam. Os mais idosos saem e gostam de passear.

Ficar em casa era uma punição. Ficar parado era terrível. Portanto os idosos paulistanos saiam e passeavam com motorista particular. Outros preferiam as praças e jogavam dominó, dama ou baralho.
Este hábito ainda perdura no interior e nas cidades litorâneas. Andar no ônibus ou trens metropolitanos já é uma tarefa menos romântica como as que eu via no passado.

Ai vocês me perguntam o porquê de meu relato?
Voltei ao passado porque já naquela época eu previa o que seria no meu futuro. Pensava se faria como este senhor de cabelos grisalhos de terno e gravata?
Olhem só que futuro eu previa. Nunca imaginava chegar aos 65, idade provável daquele senhor. O tempo passou e me vejo ainda jovem. Se der, irei surfar nos ônibus, nos trens do Metrô ou na rede CPTM.  Vestir o terno e gravata, pentear os cabelos curtos e bem assentados, nem pensar. Uso bonés e gorros como uma criança levada.

Passear? Viajo com a minha esposa. O céu é o limite. Viagens? Quase sempre, pelo menos, todos os meses visito minha mãe de 90 anos no interior.
Com a esposa e filhas, uma vez por ano, rumamos para o exterior. Em épocas festivas e ou férias, escapamos para estâncias conhecidas pelo frio no inverno. Campos de Jordão, Águas de Lindoia no estado de S. Paulo ou Serras Gaúchas no Sul.

Mas uma coisa ainda me intriga. Confesso que, quando passo perto de estações de ônibus, pontos e terminais, procuro aquele tiozinho que me marcou a vida.
Não sei porque o procuro. Lembro-me ainda hoje daquele rosto que me marcou para sempre.
Talvez porque imaginava que a vida é passageira. E o que desta vida levamos é o que fizemos de bom. Viajamos no tempo, porque somos passageiros. Eternos passageiros.

Um comentário:

  1. Muito bom Jorge, é bom relembrar o passado, principalmente quando nos traz boas lembranças. Um abraço

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