segunda-feira, 6 de junho de 2016

Colibri, pode. Urubu, não pode. Somos hipócritas, podes crer.

Domingo passado acordei com a notícia que Mohammad Ali havia morrido. 
O então Cassius Clay, o negro olímpico, sucumbia a sua e derradeira luta. Contra a vida. 
Mas na história desse mito quero lembrar onde ele fora deveras invencível. Na luta contra o racismo. Deixemos de lado o outro caminho que também fora um valoroso lutador, a dos direitos civis, porém o pano de fundo sempre foi o preconceito racial.

Mas o que me faz associar a notícia da morte desse verdadeiro homem, está a surpresa que tive ao olhar pela minha janela naquela manhã nebulosa pela chuva que caíra madrugada afora.
Meio atordoado com a notícia da morte de Ali, ao abrir a veneziana, na janela à minha frente, espio o bosque que existe ao lado do prédio onde moro e lá havia um urubu pousado na copa da árvore mais alta.
Estranhei essa ave sobre os galhos mais altos e obviamente chamei minha esposa e expressei minha estranheza.

Voltei para dentro de casa e não mais me importei com o fato inusitado. Tempos depois ao voltar para o quarto, fui a té a janela e vi, bem mais próximo, nas árvores mais baixas um colibri pousando num galho e logo me dirigi ao fundo, mais ao longe para comprovar se o urubu ainda estava por lá.

Sim, o próprio estava no mesmo local. Ai veio a minha mente o paradoxo. A pergunta que permeia nossa hipocrisia.
Não estranhei o fato daquele pequeno colibri, cansado de bater as asas e pousar para um descanso. Eu não chamei minha esposa desta vez. Por que?

O urubu é diferente do colibri? São apenas aves. Vivem aos bandos na natureza. Mas o nosso preconceito não os vê desta forma.
O urubu é preto. E o colibri é esverdeado, azulado, marronzinho, amarelinho, quase não tem penas negras. Nossa cultura associa o urubu à morte, à carne podre, miséria. 
Enquanto o colibri, o beija-flor está junto aos poetas, da vida bela, do encanto, alegria, do amor, enfim.
Pasmem, fiquei me questionando. Veio do nosso pensamento, coisa adquirida por tempos, na convivência entre famílias, escolas, relacionamentos pessoais e profissionais.
O quanto somos hipócritas! Puro preconceito velado, mas que no fundo existe na sociedade em que vivemos. Me envergonho só de pensar.
Cada dia vemos as manifestações de preconceito contra a Maria Júlia Coutinho e Taís Araújo, como exemplos recentes.
Compartilhamos nas redes sociais que somos solidários contra esses ataques homofóbicos e raciais. Mas no íntimo será que aceitamos? 

Será que nós faríamos uma selfie com o urubu ao fundo? Aposto que se fosse o colibri não pensaríamos mais que duas vezes. Estamos precisando rever os nossos conceitos, urgentemente. A sociedade é canalha. Que o diga os gorilas, os pássaros, as crianças menores abandonadas. 

Na verdade precisamos muito mais de Mohammads, e menos engajamento político-partidário, lutas ideológicas de posições à esquerda ou à direita, torcidas de facções esportivas acertando as contas no meio de pessoas inocentes em pleno estádio de futebol. 
Enquanto isso, o preconceito correrá solto pelas posições mais radicalizadas. É preciso amar mais. É preciso ter em mente o mandamento simples e básico que Jesus nos ensinou e que teimamos em não exercer. "Ame o próximo com a ti mesmo".

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