terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Não se faz carnaval como antigamente.

Antigamente o carnaval era num formato definido pela religião católica e a sociedade tradicional do início do século 20. Tínhamos três dias básicos. Domingo, segunda-feira e o derradeiro dia, na terça-feira. Tanto que tinha uma música, uma marchinha de carnaval dos anos 50, onde se cantava: Tomara que chova/Três dias sem parar/Tomara que chova/Três dias sem parar. Aliás que vem muito a calhar para os dias de hoje, onde faltam chuvas no país. Pois bem, hoje temos festas carnavalescas que já começam uma semana antes. Tudo por ordem estritamente do comércio. 

Não existe pecado abaixo da linha do Equador

Antes, na quarta-feira de cinzas, era proibido cantar e comer carne, herança dos ditames católicos. Se guardava a quaresma. Todas as quartas e sexta-feiras o cardápio era peixe. 
Corso da avenida Paulista, anos 50
A turma se esbaldava somente no sábado da aleluia, aquela alegria contagiante, a necessidade de comer carne vermelha e já na sexta-feira da paixão, comíamos carne de porco, pururuca, costela, enfim era aquela festa. Hoje, o pobre do peru ou o caríssimo bacalhau, são os pratos que substituíram a porcada. Logo uma ave e um peixe, justamente o contrário. Tudo virou do avesso. Não são mais os três dias. Não se importam com a quaresma, nem ligam para o menu das quartas e sextas-feiras. O corso, uma coisa antiga que era fazer o circuito na rua com os carros, uns foliões iam na carroceria, jogando confetes e serpentinas. Outros cheirando lança-perfume, caindo aos cantos. Ah, que cheiro gostoso, pena que foi proibido.

Bicheiros, Carnaval S.A.

Veio o comércio, os blocos viraram Escolas de Samba, o jogo do bicho encampou e começou a decidir que parte daquela arrecadação fosse literalmente "lavada" e apareceram os carros alegóricos, primeiro com um destaque, não media mais do que dois metros de altura. Os bailes de gala nos hotéis e casa de espetáculos, os desfiles de gala com fantasias de luxo e originalidade. Sair na capa das revistas semanais O Cruzeiro, Manchete e Fatos e Fotos, era a glória. As revistas eram disputadas no tapa quando saiam nas bancas e depois duravam por quase um ano nos consultórios médicos e dentários. 

Sambódromo, o que é isso?


Construção do sambódromo paulista no Anhembi
Sambódromo do Rio de Janeiro, projeto Niemayer
Mais tarde aquele comércio virou um negócio muito maior. Os patrocínios nas escolas, nos canais de televisão. Os desfiles deixaram as ruas e tiveram local próprio. Sambódromo, que chique. Uma palavra nova e um local para ser usado por dois ou três dias durante o ano. Coisas de nossa política. No Rio, inventaram um jeito de ter escolas da prefeitura nos nos lugares onde durante o carnaval, destinados aos camarotes, viravam salas de aula durante o resto do ano. Politicamente correto. Verba gasta e conceito justificado. Em S. Paulo, um verdadeiro elefante branco às vezes ocupado com eventos automobilísticos e shows de cantores de rock, etc. E outros lugares ainda teimam em fazer nas avenidas e volta e meia, os foliões acabam morrendo eletrocutados em contato com a fiação aérea. 

Clubes de futebol viram escola de samba

Os desfiles acabam fazendo a torcida por uma escola ou outras, disputas e foliões acabam se digladiando e às vezes partindo para uma violência gratuita. E pasmem, a vitória é obtida por um ou dois décimos. A glória por dois décimos. A queda, a desgraça, o fracasso por outros míseros pontinhos. Um ano jogado fora por uma nota. A voz do locutor diz 10, todos vibram, diz 9,7, todos vaiam. Os sorrisos de três dias anteriores são imediatamente trocados por lágrimas do final da apuração. E lá vem a quarta-feira de Cinzas. Passa-se o tempo e lá vem os foliões de novo nas micaretas do ano todo. O Carnaval, o próximo já estão pensando no samba-enredo. Só que não. A vida não é só de farra, temos que correr e ganhar o tempo perdido. As contas estão aí, batendo nas portas, este mês da folia é mais curto, pessoal da comunidade.

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