sábado, 21 de março de 2015

Álcool, depressão, vida e morte.

Vida e morte.
Em algumas vezes a dura realidade nos passa a perna. Por mais que sejamos evoluídos, que acreditemos em Deus, que tenhamos uma forma de encarar a vida, um fato nos pega desprevenido e passa a perna na gente e caímos estatelados no chão. Fiquei estupefato com uma notícia de morte de uma senhora, minha vizinha. Quase sempre no elevador cruzava com ela e o contato era apenas um "– Bom dia", e depois o famoso, "– Até logo!". Tempos mais tarde fiquei sabendo que ela, dona Inês, xará de minha esposa, era irmã de um amigo, outro xará meu, Jorge Luís, com quem me encontrava nas esquinas do prédio onde moramos, ora no boteco, ora no mercadinho e quase sempre na portaria, pois como palmeirense ficava falando em futebol e me zoava, por ser santista. Mas que ultimamente ficava infeliz pelo fato da sua equipe passar maus bocados nos campeonatos brasileiros.
Tive em 2014, um ano relativamente com muitas agruras. Minha esposa ficou em tratamento médico quase o ano inteiro. Eu mesmo passei por uma cirurgia na bexiga e próstata antes da Copa do Mundo, me desliguei da empresa onde trabalhei por 13 anos, etc...Portanto parei de circular nos elevadores nos horários onde me encontrava com a dona Inês, a irmã do Jorge Luís. 

Situação e dura realidade

De uns tempos para cá soube que ela ficou adoecida. Nos comentários do irmão, Jorge, era depressão. A vi outro dia no mercadinho. Aquela pessoa sadia, forte, estava magra, triste, amarga. No mesmo tempo, muitas pessoas no bloco 2, o nosso, onde moramos, caíram doentes, fortes depressões, outros faleceram e a vida seguia. Minha esposa, foi procurada pela sua xará que queria falar sobre ao mal que lhe acometia. Se falavam no maior e absoluto sigilo e descrição, eu mesmo não sabia de nada. 
Passado um tempo, ela apareceu com um aspecto mais sadio e que havia recuperado a sua saúde. Inês, trabalhava na Cúria da Lapa, como secretária do bispo. Devota de Na. Sra. Aparecida, sempre distribuía, por exemplo, os ramos de palmeiras, que eram benzidos no Domingo de Ramos e entregava na portaria do nosso condomínio. Era uma pessoa muito querida. Após ficar recuperada da depressão, voltou a sorrir pelos corredores do prédio. Os outros vizinhos e moradores do prédio ficaram recuperados também. Essa tal depressão, o tal mal da alma, é a vilã silenciosa e protagonista dessas histórias nos corredores do edifício. 

Normalidade da rotina

Todos ao seu final estão sadios, recuperados, eu, minha esposa, os moradores do bloco dois, os moradores do prédio, enfim entre mortos e feridos todos se salvaram, como dizem por aí. O irmão da Inês, Jorge quase sempre nos botecos. Excedia nas biritas, voltava cambaleando para casa, passava pela irmã na sala e caia em sono profundo. Dia após dia, a rotina era essa. Nos últimos dias, cruzei com ele, e parecia envolvido com uma catarata num dos olhos e dizia que iria parar de beber. Havia agendado no posto médico uma cirurgia para corrigir o problema. Nesse ínterim, estive envolvido de cabeça em alguns trabalhos no centro de Sampa, novos projetos, clientes e reuniões com sócios. Estive super ocupado. A minha esposa, está no interior se recuperando do longo tratamento do ano passado, junto aos familiares, portanto a vejo apenas nos finais de semana e me dedico ao trabalho durante a semana. Mal fico em casa.

Ver a notícia pelo jornal, choca mais

Voltando das compras no Sacolão, adentro na portaria, cruzo com o Jorge, sem óculos, sem a cirurgia, olhos inchados, parado voltado para fora com o olhar perdido e saúdo com um cumprimento, como sempre faço. Ele se vira para mim, se encaminha para a bancada da portaria, pega um jornal do bairro, abre na página de anúncios e mostra a foto da irmã. Lá me deparo com a nota, missa de 7o. dia da dona Inês. Foi um tremendo soco na minha cara. Fiquei chocado. Como não saber da morte dela? Quando foi? Do que faleceu? Perguntas não faltaram. Enfarte fulminante, diz o irmão. Morreu assistindo a televisão no sofá. E o pior, Jorge não havia percebido. Entrou no apartamento, atravessa pela sala, a vê sentada, passa direto e vai para o quarto cair no sono provocado pela ingestão exagerada de álcool. Na manhã seguinte se depara com a irmã da mesma forma que a viu na noite anterior. Meus Deus, que cena. Estou deveras ainda chocado com a sua morte prematura, ela tinha apenas 64 anos. Com a perda inesperada de alguém que parecia estar bem. Uma devota cristã, pessoa boa de índole. Irmã zeladora do irmão mais velho que tem problemas com a bebida. Sua irmã-mãe, pois ele não fazia nada sem a colaboração dela. O que esperar agora? No próximo domingo quem nos trará os ramos? Fique em paz, dona Inês, nós vivos, é que iremos ficar à mercê das surpresas da vida.

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