segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Calça velha. Nos tempos da naftalina.

Outro dia desses sem vontade de sair bem arrumadinho, final de semana, fui procurar algo para vestir. Abro o guarda-roupa, espio daqui, espio dali e não me contento com nada. Resolvo abrir as gavetas, as últimas. Lá tenho alguns moletons, bermudas e para o meu deleite, vejo uma calça velha, azul e desbotada. Calça de brim, azul escuro, com os bolsos na frente e atrás, e um outro, na altura dos joelhos, lado esquerdo, já sem os botões. 
Pego e me visto. Será que vai entrar? Será que passa na cintura? Pronto, para a minha surpresa consigo fechar o botão da cintura. Puxo o zíper e pronto, estou à caráter. O que é uma calça velha? Delícia! 

Há motivos para filosofar. 

1. É tão velha e ainda me serve, então eu não engordei! Ponto para o meu ego. 
2. Usada, desbotada, então estou na moda dos jovens, bom para um velhão de 63 anos nas costas. Ponto para a atualidade e vitalidade.
3. Esta mesma calça já teve a parceria de muitos anos. Viagem no tempo. Começam as lembranças de quando era nova. Ponto para a memória.
4. Prática, possui bolsos para dedéu. Cinco. Três na frente, sendo duas na altura da cintura e outra na perna. E as outras duas atrás. Ponto para a praticidade. Nem preciso usar bolsa, carteira ou as caricatas capangas, hábito de gente antiga, coisa de velho, dizem.
5. Liberdade é uma calça velha azul e desbotada, lembro do comercial da calça US Top da Alpargatas. Era assim: “Liberdade é uma calça velha / Azul e desbotada / Que você pode usar / Do jeito que quiser / Não usa quem não quer / US Top / Desbota e perde o vinco / Denin Índigo Blue / US Top / Seu jeito de viver / Não usa quem não quer / US Top / Desbota e perde o vinco.”
Comercial veiculado em 1976 na TV. Ponto para nostalgia.

Fuja do padrão. Seja libertário.

Pois então, que sensação boa. O que uma calça velha acabou provocando. Me fez lembrar e filosofar. 
Vou para sala e lá a minha esposa pergunta: – Você vai sair assim? Brochada geral. O que será que aconteceu? O Patropi* entrou na sala e não agradou? 
O que são as convenções? Não posso me vestir do jeito que me sinto bem. Há critérios, há padrões, há um figurino estabelecido pela sociedade consumista, etc. 
Eu, que por ser um sujeito que adquiriu uma certa imagem de um cidadão respeitado, um idoso exemplar no prédio onde moro, nas imediações chamado de senhor Jorge Salim, não posso sair do jeito não convencional, contrariando o que os padrões e as regras, exigem. Ponto negativo. Onde estão as liberdades? A tal liberdade daquele comercial de 1976?
Aí me recordo o meu último emprego. Era impositivo usar terno e gravata. Podia estar o maior calor. Tem que usar terno e gravata. Com o tempo, fui me desfazendo das regras, mas outros colegas meus, nem pensar. Será que o terno e a gravata, tornam você um ser mais superior do que outro? Barba por fazer, por exemplo, o torna sujo? Imundo? Nos eventos, nas cerimônias oficiais até aceito a imposição da ditadura da moda e da regra. Mas no dia a dia, a liberdade nos torna mais criativos, simpáticos e atraentes, pode crer. Ah, seu pudesse usar as calças velhas, sapatos velhos, camisas velhas. No verão então. Bermudas e chinelões. Viva liberdade.


* Personagem Patropi (1988), surgiu no programa “Praça Brasil" da Rede Bandeirantes, sendo convidado pra atuar a outros programas como Escolinha do Professor Raimundo (Globo) e A Praça é Nossa (SBT). Orival Pessini (São Paulo, 6 de agosto de 1942) é um comunicador, ator e humorista brasileiro conhecido por seus personagens Sócrates e Charles (ambos macacos), Fofão, Patropi, Juvenal, Ranulpho Pereira, Clô (baseado em Clodovil), Frank (em homenagem ao cantor Frank Sinatra) e outros em programas e comerciais para a TV, e também por utilizar máscaras de látex (feitas por ele próprio) na composição dos seus personagens.

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